Amnésia Expressa


O Estado e a sociedade brasileira insistem em virar a página da ditadura sem antes escrevê-la. 
Via: APS-RJ
No dia 1º de abril de 2018, aconteceu o infeliz aniversário de 54 anos do início da ditadura militar no Brasil. As tentativas de fazerem acordos de esquecimentos com o capítulo traumático da história recente do país são constantes.
Mas a realidade persiste em demonstrar que a noite que durou 21 anos (1964-1985) deixou veias abertas até hoje. O assassinato de Marielle Franco (PSOL) - vereadora do Rio de Janeiro eleita com 46.502 votos, é mais um de muitos episódios de violência patrocinada pelo Estado brasileiro, sendo que as investigações do crime avançam no sentido da possível participação de policiais, ex-policiais e milicianos.
Algumas questões não foram aprofundadas, por falta de condições e de interesse político da classe dominante. Arquivos e registros históricos relatam as mais diversas violações de direitos humanos: ameaças, prisões arbitrárias, sequestro, tortura, estupro e execuções sumárias. Lideranças populares e de esquerda do campo e da cidade foram os principais alvos dos ditadores. Os indígenas também foram bastante atingidos, como a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou que pelo menos 8.350 mil deles morreram pela ação direta ou pela omissão do governo ditatorial.
Importante relembrar que do laboratório em Sarajevo, na Bósnia e Herzegovina, no dia 20 de fevereiro, veio a notícia com a identificação da primeira ossada da vala clandestina de Perus, após a retomada da investigação, em 2014. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) está se esforçando para fazer a análise de 1.048 ossadas encontradas em Perus, região noroeste de São Paulo. O nome confirmado é de Dimas Antônio Casemiro, dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), assassinado e enterrado como indigente.
Outra notícia, que teima em lembrar o passado é a condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. No dia 05 de julho, a Corte determinou que se apure, julgue e, se for o caso, puna os responsáveis pela morte do jornalista Vladimir Herzog. Em 1975, Herzog, então funcionário da TV Cultura SP, apresentou-se voluntariamente para depor no DOI/CODI, em São Paulo. Foi preso, interrogado, torturado e assassinado por ter ligação com o Partido Comunista Brasileiro. 
Ainda em 2014, a CNV liberou arquivos do DOPS e do Serviço Nacional de Informações (SNI), orgão de inteligência da ditadura, que provam a relação íntima de empresas como a Volkswagen tinham com os órgãos de repressão da época. Entre estes documentos, haviam registros que a empresa comunicava o departamento policial sobre as atividades de militantes sindicais. 
Em 28 de agosto de 2017, foi iniciado os trabalhos de exumação pelos peritos da CEMDP do corpo de João Leonardo da Silva. Advogado e militante do Movimento de Libertação Popular (MOLIPO), foi assassinado por agentes da Polícia Militar, no município de Palmas de Monte Alto-BA, em praça pública num confronto que virou lenda na pequena cidade. Foi enterrado como perigoso pistoleiro e com o nome falso de José Eduardo Lourenço. 
Em tempos de um novo golpe, nova intervenção militar, estas notícias servem para renovar as esperanças e a força da resistência. Porém, quando confrontadas com o cenário social e eleitoral, é explícita a derrota da memória, verdade e justiça no Brasil. Andamos para frente esquecendo ou escondendo o passado. Precisamos de um processo de justiça de transição, precisamos expor o passado para entender o presente e não repetir os erros de ontem. É a maneira de construir uma nação mais justa.
A amnésia expressa na candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), apoiador da ditadura e que faz apologia à tortura, se estrutura em discursos como: "As pessoas dizem que era um tempo bom, que você podia ficar na frente de casa sem ser assaltado. As escolas eram tranquilas, hoje aluno bate em professor, as pessoas te roubam na sua casa”. É possível afirmar, diante desse cenário que a ditadura é uma coisa distante para os jovens, para a sociedade brasileira, algo que não foi discutido a fundo. Com as crises política, econômica e o medo da violência, a sociedade procura um discurso que prega teoricamente a ordem, a lei e “os bons costumes”.
A sucessão de golpes Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016) fez aumentar a presença e participação das forças armadas nessas sociedades. No Brasil, maior economia golpeada, os militares dizem que são guardiões da democracia. É uma ironia muito grande quando confrontada com a realidade, no Rio de Janeiro as operações são desastrosas. Em um cenário em que o líder das pesquisas eleitorais, Lula (PT), está preso por uma farsa, o segundo colocado é um militar da reserva.
No Brasil diverso, que ainda vive na sombra do autoritarismo, não pode-se brincar com a democracia. Não se deve aventurar ainda mais na barbárie e na profunda miséria que anda junto dela. As eleições estão chegando, é hora de defender e ampliar os valores da democracia e das liberdades que começaram a se perder. Não se deve esquecer o tamanho das feridas que recaem sobre a cabeça dos mais pobres e desamparados.
As versões fantasiosas das intervenções militares de hoje e de ontem precisam ser extintas, para evitar novos regimes ditatoriais. É fundamental a luta contra todas as opressões. O Brasil precisa fazer um grande acordo com a verdade, a memória e a justiça.

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